quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Doce Juventude.

Estava deitado usando apenas a calça do pijama, encostado na cabeceira da cama, lendo uma das revistas que ele assinava com a data da edição do mês passado, “que droga”, pensa ele, " não sei porque assino tantas revistas se não tenho tempo de ler todas elas … ". Maria Lúcia está no banheiro, com a porta aberta, tirando a maquiagem e passando os 3 cremes noturnos necessários para garantir a ela uma velhice sem marcas. Ela desliga a luz do banheiro e vai caminhando em direção da cama segurando uma revista.
Antônio vamos assistir essa peça de teatro essa semana? Fiquei super interessada …
Joga uma revista ao lado dele. Ele se desfazendo da revista que lia, pega a revista ao lado, olha a foto e pará alguns segundos, seu cérebro acompanhado de sua memória trabalhando juntos, tentando lembrar de onde conheciam o rosto que estampava uma foto da revista. O rosto da mulher sorridente parecia familiar…E a memória veio, várias cenas passaram em sua cabeça, aquele rosto que ele conheceu mais novo, sem tantas linhas de expressão, com um sorriso mais doce da juventude. Aquele era o rosto de Camila. Veio o som da risada dela em seus ouvidos e um leve cheiro de lavanda. Eles se conheceram na faculdade, ele terminando engenharia elétrica, ela no começo do curso de comunicação. Se conheceram de verdade em uma festa, ele não sabia o que tava fazendo ali, não gostava das pessoas da festa, estava pensando em ir embora, quando Camila cruza o seu caminho, faz piada sobre seu “jeito de engenheiro”, oferece uma bebida e depois, um beijo. Ele não conseguia entender muito sobre ela, ela normalmente não parava de falar, gesticulava demais e ainda para piorar, fazia teatro. Mas era extremamente divertida, com ela tudo era fácil, tudo era descomplicado. Ficaram juntos algumas semanas, logo depois veio a confirmação do seu intercâmbio. Um ano em Berlim. O ano que mudou a vida dele. Voltou mais solto, menos careta, com “menos jeito de engenheiro”. Reencontrou Camila, ela continuava com o mesmo riso solto. Ficaram mais vezes, até que aquele momento chegou. Pararam em um motel barato no centro da cidade, os dois bêbados, os dois sem saber o que fazer. Ele nervoso com medo de não conseguir, ela se esforçando para ser agradável. Foi rápido e bom. Ele acordou de manhã, alertando ela que precisava ir embora, ela não quis ir, “vá você”, disse ela sem realmente parecer se importar. Ele foi, deixando ela. Nunca mais voltaram a se falar depois disso, ele por vergonha pôr a ter deixado, ela com vergonha por ter deixado ele a deixá-la. O tempo passou e ele foi se esquecendo do sorriso dela, do seu cheiro de lavanda, conhecendo outras mulheres, outros cheiros, até que anos mais tarde conheceu Maria Lúcia, advogada, mais velha que sorria, mas não tão solto assim.
- Antônio? EI ANTÔNIO ??? Se não quiser ver a peça, ok vou com a Júlia, mas seria bom um pouco de cultura nessa sua vida, tem trabalhado demais.
Han.. A peça? Quando vai ser? Sábado? Não, não vou poder, já marquei de encontrar o Mário e o pessoal, mas vai com a Júlia sim, deve ser uma boa peça, tem um bom elenco pelo que posso ver na foto…
- Ok, ok, você que sabe, boa noite, não fique lendo até tarde…
Maria Lúcia lhe dá um beijo e se vira para dormir.

Ele continua com a revista na mão, observando a foto. A coloca no criado-mudo, desliga a luz e sorri para o escuro, sentindo um leve perfume de lavanda da sua juventude.