Clarice estava rasbiscando em seu caderno, ela precisava fazer isso, precisava entregar 30 desenhos na quinta-feira para seu professor e não tinha nada pronto. Ela gostava de desenhar, por isso escolheu design, na verdade não escolheu design, foi o único curso que ela achou que poderia ficar desenhando o dia todo sem seus pais reclamarem que ela não fazia nada além de desenhar o dia todo. Mas ela odiava design, odiava as pessoas que faziam design, ela só queria desenhar. Estava na aula de técnicas discursivas aproveitando para desenhar. O rapaz da cadeira da frente se mexeu, o que fez ela errar o traço do desenho, olhou com cara amarrada pra ele, ele se virou e com um belo sorisso falou “pô foi mal, nossa desenho legal, parabéns” e logo depois voltou a olhar para a frente. Ela ficou encarando as costas dele. E aconteceu, Clarice se imaginou namorando ele, imaginou os dois de mãos dadas indo ao cinema, os dois comendo uma pizza e rindo de qualquer coisa, imaginou beijando ele, imaginou toda uma vida com ele. Clarice sempre fazia isso. Ela que tinha estudado Marx e Foucalt, ela que lia Charlie Bukowski e Virgia Woolf, ela que se inspirava em Satre, ela, Clarice, criava histórias românticas com todos os meninos que lhe dessem um pouco de atenção, feito uma menina adolescente boba vendo uma comédia romântica. Ela odiava isso, se sentia uma completa idiota. Olhou irritada para o caderno e voltou a desenhar. A aula acabou. Ela se levantou e foi caminhando para a porta. O menino que estava sentado a sua frente chegou perto dela e disse:
- Gostei mesmo dos seus desenhos, podemos tomar um café pra você me mostrar mais do que você desenha?
Clarice o encarou e com um leve sorriso disse:
- Não obrigada, tô atrasada.
E saiu.
Foi para casa, tentando imaginar uma vida com o rapaz que estava no ônibus e depois desenhar.